Duas corridas em uma
Chefes do automobilismo entre si. Aquecimento “verbal” com Fritz Enzinger, responsável pelo 919 Hybrid em Le Mans, e Hartmut Kristen, pelo 911 RSR. 24 respostas sobre esse desafio
O que significa largar com um
Fritz Enzinger: Participar de Le Mans é sempre algo muito especial. A atmosfera única faz das vitórias algo incomparável. Devido a tantos êxitos,
Hartmut Kristen: Eu trabalho na
Qual foi até hoje o momento mais impressionante de Le Mans?
Fritz Enzinger: Comemorar a vitória geral da BMW em 1999.
Hartmut Kristen: Não dá para restringir a apenas um único momento. Claro que as duas vitórias na classe GT em 2013 foram sensacionais, mas a dupla vitória na classificação geral em 1998 também foi um grande momento. A vitória do Dauer
Tradicionalmente, o 911 RSR é considerado um dos favoritos de sua classe. Isso não acontece com o 919 Hybrid, mesmo assim, são muitas as expectativas. Como vocês lidam com essa pressão por bons resultados?
Fritz Enzinger: Eu tento não deixar nada nas mãos do acaso e encarar tudo com um sentimento positivo. Geralmente não dá para influenciar situações durante a corrida. Tudo que acontece é o resultado de dois anos e meio de trabalho.
Hartmut Kristen: Eu tento não pensar nisso, manter a tranquilidade e dar todo apoio à equipe. Isso nem sempre é fácil, mas tem que ser assim.
Quando a participação em Le Mans é considerada um sucesso?
Fritz Enzinger: Quando somos competitivos com o novo LMP1 e considerados um adversário sério – e chegamos ao fim da corrida.
Hartmut Kristen: Quando nossos carros cruzam intactos a linha de chegada, fomos competitivos e, mesmo depois de fazer uma análise autocrítica, não encontramos nenhum erro que poderia ter sido evitado em consequência de nossas próprias ações. E temos que ser ainda melhores do que no ano anterior. Ser tão bom quanto fomos no ano passado já não basta para este ano.
Qual é a hora mais difícil das 24 Horas?
Fritz Enzinger: O amanhecer do domingo. Quando o sol nasce, isto é, caso ele apareça e aqueça, você começa a sentir o cansaço. Mas o caminho até a linha de chegada às 15h ainda é muito longo.
Hartmut Kristen: É como qualquer noite que você passou acordado: mais ou menos às três da madrugada o corpo começa a dar sinais de cansaço. Mas em Le Mans você deixa isso pra lá e acaba superando o cansaço.
Como vocês e a equipe conseguem ficar acordados? É possível treinar isso antes?
Fritz Enzinger: É possível fazer algumas coisas e criar condições favoráveis. Em Weissach, montamos um centro de ginástica, que é muito procurado, onde a equipe pode se preparar fisicamente. Temos também um programa de preparação mental. E os pilotos dispõem ainda de programas de treinamento individuais.
Hartmut Kristen: Pelo menos podemos garantir que a equipe não entre na corrida já com déficit de sono e que esteja fisicamente em forma. O resto é adrenalina.
O que vocês vão fazer no dia seguinte à corrida?
Fritz Enzinger: Isso depende muito do resultado… Mas seja o que for: espero estar de bom humor.
Hartmut Kristen: Como de costume, vou me levantar na segunda-feira às cinco da manhã e voltar para casa. De preferência levando um passageiro com quem eu possa conversar e repassar a corrida.
Quantas vezes vocês olham para o relógio durante a corrida?
Fritz Enzinger: O tempo todo. Mas não para o relógio de pulso, e sim para o relógio no monitor.
Hartmut Kristen: Até a largada, muitas vezes, para ver a contagem regressiva. Depois, nas 22 horas seguintes, bem menos. O ritmo da troca de pilotos se torna a medida do tempo quase que substituindo o tempo real. Próximo do fim das 24 Horas volto a olhar com mais frequência – embora isso não faça com que o relógio ande mais rápido.
Qual é o maior desafio durante a corrida?
Fritz Enzinger: No nosso caso será certamente a gestão de energia. Temos que dirigir com pouco combustível o mais rápido e tanta distância possível. Esse é um novo desafio e devido à falta de experiência será também o maior.
Hartmut Kristen: Manter a calma, não cometer nenhum erro e se concentrar nas situações que você pode influenciar. Você tem que ignorar qualquer fator de perturbação ou eliminá-los, para conseguir manter a calma em situações críticas. Independente do nível de estresse.
Todo piloto de corridas deve ter participado alguma vez de uma corrida de longa duração com carro esporte?
Fritz Enzinger: Não sei se tem que participar, mas essa corrida é o maior desafio que existe. Como na Fórmula 1, o piloto também experimenta a paixão e o esforço do próprio ato de dirigir, mas em corridas de longa duração não depende apenas da equipe, e sim diretamente dos outros pilotos.
Hartmut Kristen: Também não ousaria dizer que só alguém que já participou de uma corrida assim é um piloto excepcional. Mas os desafios são bem peculiares em muitos sentidos. Le Mans não é um evento para solistas. Além disso, Le Mans só acontece uma vez por ano. Se algo der errado, você não tem a chance de reparar o erro duas semanas depois.
O que uma equipe de engenheiros pode aprender com o automobilismo?
Fritz Enzinger: Trabalho em equipe e dedicação ao extremo. Principalmente com as novas regras da LMP1, os engenheiros estão diante de uma tecnologia do mais alto nível. Agora com a entrada em vigor da nova fórmula de eficiência, a
Hartmut Kristen: Através do esporte, nosso Centro de Desenvolvimento em Weissach está sempre atualizado e empenhado em sacar o máximo dos projetos já existentes para permanecer competitivo. A classe GT tem sempre o carro de rua como referência. Temos que alcançar muito em pouco tempo e com recursos limitados.
… E o que o cliente
Fritz Enzinger: Ele sempre sai ganhando quando o fabricante aceita os desafios do automobilismo. Trabalhar sob uma pressão por rendimento como essa faz com que se desenvolva com a máxima eficiência. Os testes das inovações são públicos. Essa possibilidade de avaliação do próprio trabalho e da produtividade como equipe é algo que me fascina no automobilismo. No caso do 919 Hybrid, a utilidade para o cliente faz claramente parte de todo o projeto. Inovações como o sistema de recuperação de energia a partir dos gases de exaustão também têm futuro nos carros de série.
Hartmut Kristen: O aumento da eficiência é uma grande tarefa. Claro que não será possível adotar os componentes 1:1 para os carros de série, mas aplicar os conhecimentos mais importantes. Por exemplo, como produzir pressão contra o solo em carros similares aos de série. O grande desafio nesse caso é conseguir o máximo de pressão contra o solo possível sem aumentar a resistência ao ar. É a mesma tarefa que temos com os nossos carros esporte. E aqui dá para ver claramente a semelhança das partes dianteiras dos carros.
O mesmo campeonato mundial, a mesma linha de raciocínio, o mesmo objetivo, mas estratégias diferentes: Fritz Enzinger e Hartmut Kristen são os chefes das duas equipes de fábrica da
A equipe RSR de Hartmut Kristen tem uma vantagem enorme em relação à equipe recém-formada de Fritz Enzinger. É incomum um fabricante participar da competição com duas equipes de fábrica em categorias diferentes. Às vezes, a troca de informações pode ser útil. O mais importante, porém, é concentrar-se nos próprios procedimentos e evitar que uma equipe atrapalhe a outra sem querer. Por isso, as duas equipes de fábrica optaram por não ficar uma ao lado da outra nos boxes.
Entrevista Heike Hientzsch
Fotos Peter Heck