Encontro de cúpula
Hans Herrmann (86) e Richard Attwood (74) comemoraram em 1970 o primeiro triunfo para a
Este é um encontro de cúpula especial: quatro vencedores de Le Mans reunidos em uma mesa. O período de 40 anos entre os sucessos de 1970 e de 2010 dá muito o que falar sobre técnica e tática, sensação e perigo, diversão e esporte
Romain Dumas: Gente, Hans, dirigir em Le Mans nos anos 1970 – isso deve ter sido uma aventura. Aprecio muito esses carros antigos. Eles certamente eram difíceis de dominar. Naquela época o piloto passava por outras exigências e só podia contar consigo mesmo. Em compensação, hoje as exigências são múltiplas. Os carros de corrida têm um nível técnico mais alto e os pilotos têm que agir de modo multifuncional no cockpit.
Timo Bernhard: Vocês também tinham mais calma e liberdades no carro, e podiam dirigir do jeito que achassem certo. Quase não havia comunicação com o boxe. Hoje a ponderação é bem outra. Nós temos mais de 20 botões no volante e estamos em contato permanente com o boxe.
Hans Herrmann: Eu ficaria louco com os botões.
Bernhard: Sério que ninguém dava palpite?
Herrmann: Nós tínhamos mais influência e não recebíamos ordens. Tecnicamente isso nem era possível. Tínhamos que sentir a situação por nós mesmos e administrar a corrida. Um bom exemplo é a Le Mans de 1969. Na última hora e meia, Jacky Ickx no Ford GT40 e eu ultrapassamos um ao outro na ponta de duas a três vezes por volta. Minhas pastilhas dos freios da frente já estavam quase no osso. Eu poderia ter ido ao boxe, afinal o piloto em terceiro lugar estava duas voltas atrás. A decisão estava nas minhas mãos. Daí pensei que o Jacky também poderia ter um problema. Por isso resolvi ficar na pista.
Richard Attwood: Na nossa época, a gerência da equipe não fazia ideia do que fazíamos na pista.
Bernhard: Hoje em dia é o boxe que define a estratégia e o piloto fica transparente. Depois de uma mudança de setup, eles perguntam: “Como foi?” É muito importante sentir o carro. As nossas declarações são verificadas.
Herrmann: Mas com isso vocês também sofrem bastante pressão.
Dumas: Bem, não sei. Em 1970 vocês dois deveriam trazer a primeira vitória total para a
Herrmann: Como disse, não consegui me dar com os botões, mas quanto a outros recursos técnicos, morro de inveja de vocês. Já começa pela vestimenta. Ou os dispositivos de segurança, por exemplo. Muitas vezes me perguntam: “Você pilotaria hoje?” Então digo: Na hora! Porque há muito dinheiro disponível e poucos riscos. Nós tínhamos pouco dinheiro e muitos riscos. Durante a largada a gente pensava: de quem será a vez hoje?
Dumas: Mas não é dinheiro o que importa. Correr é paixão. Alguns até pagam por isso.
“Há muita coisa que não se pode comparar. Passar a marcha, dirigir, frear – antigamente isso era mais cansativo. Mas hoje vocês têm que aguentar uma força centrífuga muito maior” Richard Attwood
Attwood: É claro que a nossa época era mais perigosa, a começar pelo percurso. Hoje há chicanes, barreiras de segurança, zonas de segurança. Por outro lado, a introdução das chicanes na Hunaudières representa o fim de Le Mans para mim e para a minha geração. Aquele retão, aquilo é que era a corrida! Por 50 segundos tinha-se ali tempo para relaxar – mesmo que isso soe tolo a uma velocidade de 340 km/h.
Dumas: Tenho o maior respeito pelos pilotos dessa era. Hoje temos monocoques de carbono, capacetes de carbono, HANS (Head and Neck Support – apoio para cabeça e nuca), cintos de segurança. Era infelizmente comum que volta e meia pilotos morressem nos carros de corrida dos anos 1970. Acho que no geral o caráter da corrida mudou muito desde que competi pela primeira vez há 12 anos. Hoje corre-se por 24 horas sempre no fio da navalha. É como se disputássemos várias corridas de Fórmula 1, uma após a outra. Acho que os acidentes com protótipos dos últimos anos se deram porque estamos na pista até não poder mais.
Bernhard: Não apenas os carros vão até o limite, mas nós pilotos também. Como era com vocês dois? Vocês também tinham fitness trainer e massagistas? (gargalhada geral)
Attwood: Não havia ninguém. E ninguém que dissesse o que você deveria comer. O seu preparo estava todo nas suas mãos. Nós cuidávamos para viajar com a melhor forma possível para fazer bem o trabalho.
Herrmann: Eu treinava na associação de boxe em Stuttgart. Reação e rapidez eram importantes. Mas também havia pilotos que não faziam nada. No geral era tudo muito primitivo. Nós nos vestíamos no caminhão, e quando as roupas estavam encharcadas, um mecânico tentava secá-las com um aquecedor.
Dumas: Naquela época vocês dirigiam a dois. Hoje isso seria uma loucura. A gente dá um sprint por mais de três horas e meia, e ficamos quebrados. Depois vamos para o fisioterapeuta ou para o massagista. E fazemos muito esporte. Antes da corrida há um teste de fitness, e durante o inverno há duas semanas de fitness. E eu corro uma maratona por ano.
Attwood: Tem muita coisa que nem se pode mais comparar. Passar a marcha, dirigir, frear – isso tudo era muito mais cansativo antigamente. Mas hoje em dia vocês jovens estão muito mais em forma. Para mim é inimaginável a força centrífuga que vocês têm que aguentar. Até 4 g! O nosso máximo era 1 g.
Bernhard: Através da força descensional maior e das asas temos uma aceleração lateral muito mais alta, o que representa uma enorme carga extra para a nuca. Em contrapartida, as retas são quase um descanso. Nosso carro campeão de 2010 teve uma velocidade máxima de 335 km/h. Mas com a força descensional, o carro ficou bem quietinho. Nas retas nem percebíamos nossa velocidade.
Herrmann: Era difícil manter os carros na faixa. A influência do vento era extrema. Logo antes de se frear no fim da reta para entrar na curva Mulsanne vem uma leve guinada à direita. Aí nós podíamos pisar forte no acelerador – contanto que o vento permitisse você dirigir no lado esquerdo da pista. Nosso lema era: não arriscar, acelerar. Isso soa estranho, mas se desacelerássemos, o carro ficaria muito instável. Você não pode esquecer que éramos extremamente velozes. Em 1970, era possível fazer 384 km/h na Hunaudières. Mas na corrida a velocidade mais alta era de 340 km/h. Afinal a gente queria aguentar as 24 horas.
Bernhard: Quantas vezes vocês tinham que trocar os freios durante a corrida?
Herrmann: Não sei mais ao certo. Mas provavelmente as pastilhas de freio dianteiras eram trocadas vez ou outra.
Bernhard: Nossos discos de freio de carbono de hoje não precisam mais ser trocados. Não é só uma questão de otimizar a frenagem antes das curvas. Você tem que prestar atenção nos seus queridos concorrentes…
Herrmann: A diferença entre nós e os mais lentos era de quase 100 km/h nas retas. Isso era bem perigoso, principalmente à noite, com chuva ou neblina, quando não dava para ver qual carro estava para ser ultrapassado.
Bernhard: Quando alguém me chama atenção, logo aviso aos colegas de equipe: atente para o carro amarelo-azul, o piloto não parece ser muito experiente. Isso pode ajudar você a superar a corrida. Em Le Mans você precisa de espírito de equipe. Vocês se advertiam uns aos outros?
Herrmann: Não. Cada um tinha que avaliar por si próprio a situação na pista. Mas tendo já muita experiência em Le Mans em 1970, dei a Richard o conselho de se reservar no começo. Deixe primeiro os outros correr, disse eu. Só que assim mesmo você tem de ser veloz. Mas nós prestávamos atenção nos freios, na transmissão, na rotação de torque. Provavelmente o conselho ajudou. Nós vencemos. E sem falar do mau tempo. Em Le Mans chove sempre. Isso dá nos nervos!
“Vocês tinham pneus ruins e carros com muito desempenho, mas pouco controle de tração. Hoje o asfalto é melhor, temos bons pneus, bons para-brisas” Romain Dumas
Dumas: Assino embaixo. E para vocês as condições eram ainda mais decisivas. Em comparação com a gente hoje em dia, vocês tinham pneus ruins e carros com muito desempenho, mas pouco controle de tração. Nós temos sorte, o asfalto é melhor, temos um bom material de pneus, bons para-brisas. Quando chovia era uma loucura antigamente! Ainda por cima a 340 km/h!
Attwood: Velocidade de 340 km/h – é claro que isso era impraticável. Quando chovia forte, dirigíamos às vezes bem devagar. Tínhamos que nos adaptar às condições, senão não teríamos aderência. E por falta de barreiras de segurança, você parava direto na floresta.
Dumas: Imagino que a atmosfera naquele tempo era bem outra. Dá para ver nas fotos antigas que o público ia para toda parte. Hoje, mesmo sendo várias vezes campeão em Le Mans, você precisa do credenciamento correto e tem que passar por cinco controles. Mas mesmo assim é uma diversão total.
Bernhard: Ah, sim, é uma corrida incrível. Para mim, Le Mans é um lugar mágico onde, por um lado, história e tradição, e, por outro, a mais moderna tecnologia híbrida dos nossos carros se misturam. É um mix incrível que os fãs também adoram. Isso se demonstra pelo número de espectadores. Le Mans é o Wimbledon do automobilismo. Para mim é uma honra correr ali.
Attwood: Le Mans é e continuará sendo muito especial. Essa corrida é um evento mundial.
Gravação de Eva-Maria Burkhardt
Fotos Rafael Krötz