Um quantum de força
Uma vez mais a
Coragem também é questão de imaginação. Alexander Hitzinger, diretor técnico do programa LMP1, possui uma imaginação fértil e teve a coragem de explorar todo o potencial que parecia ser realizável no campeão de Le Mans. Isso é válido sobretudo no conceito de propulsão. Só para lembrar: esse conceito é composto por um motor turbo a gasolina de quatro cilindros e dois litros, o motor de combustão mais eficiente que a
Durante a frenagem, a energia cinética é transformada em energia elétrica no eixo dianteiro. No duto de escape, além do superalimentador, encontra-se uma segunda turbina que converte a energia excedente em energia elétrica. A parcela da energia de frenagem é de 60% e a do gás de escape, de 40%. A energia elétrica obtida é armazenada temporariamente em uma bateria de íon-lítio e, caso haja uma demanda, ela alimenta um motor elétrico. Uma demanda neste caso significa que o motorista quer acelerar e solicita a energia apertando um botão. Hitzinger indica a potência do motor de combustão com “um valor significativamente maior que 500 cv”. A potência do motor elétrico ele define como “significativamente maior que 400 cv”.
A interação dessas duas fontes de energia exige uma estratégia sofisticada. O cenário em um circuito de corrida é o seguinte: em cada fase de frenagem o acumulador coleta força – há uma recuperação de energia. Isso acontece 38 vezes durante uma das longas voltas de 13,6 quilômetros de Le Mans, antes de cada curva. Às vezes mais, às vezes menos. Isso depende da intensidade da manobra, ou seja, da velocidade com a qual os pilotos entram na curva, e de quanto a próxima curva é fechada. Freadas e recuperações são realizadas até o pico de cada curva, e em seguida o piloto volta a acelerar. E exatamente para este momento, a máxima energia possível deve estar disponível.
Por um lado, o piloto pisa fundo no acelerador – e assim, demanda a energia do combustível. Por outro lado, ele impulsiona por “boost” com a energia elétrica do acumulador. Enquanto o motor de combustão aciona o eixo traseiro, o motor elétrico é responsável pelo eixo dianteiro. Assim, o 919 Hybrid sai da curva a toda velocidade com tração integral – e ao mesmo tempo já volta a coletar energia. Sobretudo na reta extremamente longa de Hunaudières, onde o 919 Hybrid corre velozmente acima de 330 km/h, a turbina no duto de escape trabalha intensamente. Até aqui, tudo bem. Mas as duas fontes de energia são limitadas: o carro não deve consumir mais de 4,65 litros de combustível por volta e nem mais de 2,22 kWh de energia elétrica.
Portanto, o piloto deve administrar cuidadosamente seu orçamento para que esteja dentro do planejamento no final da volta; ou seja, não deve ter usado nada mais do que o permitido. Porém, na medida do possível, também não deve ter ficado abaixo do limite. É um ato de equilíbrio: se ele consumir muito, é penalizado. Se consumir pouco, ele perde desempenho. A grande arte é interromper o “boost” com uso de energia elétrica – e frear no momento certo.
As 2,22 kWh de energia elétrica correspondem a oito megajoules – e esta é a categoria de energia mais elevada que o regulamento determina. A
“A escolha do conceito foi pautada pela análise detalhada das diversas alternativas”, rememora Hitzinger. O fato de que usaríamos a energia de frenagem do eixo dianteiro ficou claro imediatamente. O técnico chama isso de “algo óbvio” – uma alta captação de energia numa área onde já se atua parcialmente. Tudo isso combinado com um intenso aperfeiçoamento. “Cogitamos como segundo sistema uma recuperação de energia de frenagem no eixo traseiro ou a recuperação de energia de gás de escape.” Dois aspectos falam a favor da solução no escape: primeiro, o peso; segundo, a eficiência. “Na recuperação de energia de frenagem, o sistema deve recuperar a energia dentro de muito pouco tempo, ou seja, lidar com muita potência. E isso tem consequências no peso. As fases de aceleração, por sua vez, são bem mais longas do que as fases de frenagem. Portanto, há uma recuperação por um período mais longo, tornando o sistema mais leve. “Além disso”, acrescenta Hitzinger, “com o motor de combustão já temos uma propulsão no eixo traseiro. Com uma potência ainda maior na traseira, teríamos gerado mais derrapagem.” Derrapagem é praticamente o contrário de eficiência e, ademais, isso acaba com os pneus.
Provavelmente a decisão essencial e a mais corajosa: Hitzinger apostou em 800 volts para o sistema híbrido do 919. “Estabelecer a curva de tensão é uma decisão fundamental na propulsão elétrica”, destaca ele. “Ela influencia tudo – o design da bateria, do sistema eletrônico e dos motores elétricos, a tecnologia e infraestrutura de carregamento. Nós fomos o mais longe possível.”
Foi difícil encontrar componentes para essa tensão elevada, sobretudo um instrumento de armazenamento de energia adequado. Acumuladores do volante do motor, supercapacitores ou uma bateria? Hitzinger decidiu usar uma bateria de íon-lítio refrigerada a fluido. Ela possui centenas de células individuais, onde cada uma delas é contida em uma própria cápsula de metal cilíndrica de sete centímetros de altura e 1,8 centímetros de diâmetro.
Tanto em um carro para as ruas como em um automóvel de corrida deve-se ponderar bem entre densidade de potência e densidade de energia. Quanto maior a densidade de potência de uma célula, mais rápido ela pode ser carregada e voltar a fornecer energia. O outro parâmetro, a densidade de energia, define a quantidade de energia que pode ser armazenada. No automobilismo, a célula deve ter – no sentido figurado – uma abertura imensa. Pois assim que o piloto pisa no freio, uma quantidade enorme de energia deve entrar ali rapidamente. E quando ele impulsiona por “boost”, essa mesma energia deve voltar a sair com a mesma velocidade. É possível imaginar isso com um exemplo do cotidiano: se a bateria de íon-lítio descarregada de um smartphone tivesse a densidade de energia da bateria do 919, depois de aproximadamente vinte segundos de carregamento ela já estaria 100% carregada. A desvantagem: com um breve telefonema, toda a energia já teria sido gasta. Para que o smartphone consiga ter bateria por muitos dias, a densidade de energia está em primeiro plano, ou seja, a capacidade de armazenamento.
Traduzindo para um veículo elétrico no uso cotidiano, capacidade de armazenamento significa alcance. “Neste quesito, as necessidades de um carro de corrida e de um carro elétrico para as ruas são distintas”, afirma Hitzinger, “mas no 919 nós avançamos em aspectos do gerenciamento híbrido que até então eram inimagináveis.” No
Autora Heike Hientzsch
Fotografia Frank Kayser/